Hamlet, William Shakespeare

Adriano Lobão Aragão

Sendo para mim uma obra de leitura recorrente, todas as vezes que torno a ler Hamlet, vejo o jovem e angustiado príncipe da Dinamarca sob um novo aspecto. Das três traduções a que costumo recorrer – a de Barbara Heliodora e sua mãe, Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça; a de Millôr Fernandes; e a de Lawrence Flores Pereira, todas de grande mérito e excelência –, tenho predileção pela de Barbara Heliodora, tanto pela minha imensa estima por seu trabalho de crítica e tradutora, quanto por ter costumeiramente me habituado ao seu estilo de traduzir Shakespeare, sempre preocupada com a dimensão teatral da obra, com o trabalho do ator, sem tornar o texto excessivamente contemporâneo e sem grandes rebuscamentos linguísticos.
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Escrita, talvez, entre 1599 e 1601, trata-se da mais longa peça de William Shakespeare e a que seu protagonista apresenta a maior quantidade de falas. E tal estrutura torna o personagem ainda mais complexo e instigante. Vale lembrar que o enredo de diversas de suas peças não costuma ser uma criação de Shakespeare, mas uma releitura de obras anteriores ou temas históricos. Um dos grandes méritos do teatro shakespeariano é justamente essa capacidade de dar uma nova e surpreendente amplitude a tais temas e enredos, muitas vezes já abordados anteriormente, representando, a partir deles, o dilema humano e sua precária condição. Em Rei Lear, temos um monarca que envelheceu sem se tornar sábio; em Otelo, o nobre e valoroso mouro sendo escravo de seu ciúme cego e doentio; e na peça em questão temos o jovem Hamlet vivenciando o tormento de descobrir que seu pai, o rei Hamlet, foi assassinado pelo próprio irmão, Cláudio, o mesmo que, logo em seguida, desposou sua mãe. A partir de então, eis a angústia de uma vingança que se protela, eis os monólogos que revelam que o príncipe hesita, pensa em abandonar a própria vida, busca levar adiante seu ímpeto de justiça, reflete sobre os reveses da vida, eis que vivencia dolorosamente diversos questionamentos. As dualidades perceptíveis ao longo da peça desnorteiam a cada leitura. Por exemplo, Hamlet se finge de louco, enquanto sua amada Ofélia efetivamente enlouquece. Hamlet teve seu pai assassinado, mas torna-se o assassino do pai de Laertes. Cláudio, que chega ao trono após derramar veneno no ouvido do rei Hamlet (o pai), enquanto este dormia, usa de artimanha verbal contra o príncipe Hamlet (o filho), instigando-o através de palavras (aqui entendo metaforicamente como “envenenar pelos ouvidos”) para um embate onde almejava que o jovem fosse efetivamente envenenado e, consequentemente, morto.

A Dinamarca de Hamlet é um reino mergulhado na podridão generalizada. O jogo de aparências, dissimulação e cinismo de Cláudio, o rei usurpador e traiçoeiro, é apenas mais um sintoma de toda uma sociedade corrompida, que tinha no rei Hamlet o pouco que lhe sobrara de altiva nobreza, esta que seu filho não conseguiu reaver. Penso em Hamlet como uma tragédia do amadurecimento angustiante, da tomada de consciência de um mundo que se desencanta e revela seu lado mais doloroso, onde não bastou descobrir o assassinato do pai, mas ter de conviver com a própria mãe casada com esse assassino; e a loucura, que poderia ser o refúgio para este mundo degradado, talvez lhe servisse como instrumento de vingança, enquanto o destino sela definitivamente a tragédia de sua existência.
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| Publicado originalmente em março de 2017, no blog Ágora da Taba.

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