Palavra e silêncio: a “luta vã” no Piauí

William Roberto Cereja

Já conhecia a prosa criativa, inusitada e dialógica de Os intrépitos andarilhos e outras margens, do jovem professor e escritor piauiense Adriano Lobão Aragão. Contudo, surpreendi-me com seu novo livro de poemas As cinzas as palavras (editora Desenredos).

Nesse livro, Aragão adota uma dicção entre clássica e moderna, fazendo uso de uma linguagem enxuta e despojada. A quase totalidade de seus poemas situa-se no coração daquilo que se vem chamando de modernidade (no sentido da tradição baudelaireana ou valeryana): a metalinguagem, a poesia emparedada entre o silêncio e a palavra. O silêncio é o não canto, já cantado por Drummond e outros poetas modernos. E a palavra, muitas vezes, sem poder cantar o tempo presente, canta a própria palavra ou o próprio canto poético, especialmente neste caso, aquele ancorado na tradição luso-brasileira.

O dialogismo, tão fortemente presente em Os intrépitos, também se faz presente em As cinzas. No diálogo com Camões, temos, por exemplo, a referência a um tempo heroico passado, que já não se pode cantar, como já se via na fase lírica final de Camões:

este verbo disperso em distante campo de poeira
Areia estéril onde não canta tágide nem musa
estância onde não se encontra em seus cantos engenho e arte
(“As odes os signos”, p. 15.)

Também as reflexões em torno da passagem do tempo e das mudanças do próprio eu lírico deram origem ao poema “então”, quase uma paródia do poema camoniano “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”:

em perene forma permanece em idade e fortuna
tudo que no tempo não muda nem tempo nem vontades
nem mentira nem verdade penetra a forma profunda

[…]

somente em mim depositou-se irrelevante reverso
de não mais crer nos versos dessa inútil lira agridoce.
(“então”, p. 19.)

Drummond está explicitamente evocado em “não cantaremos o amor”. Embora o tempo não seja de guerra, diz o poeta:

Ainda que nos fosse permitido
não cantaríamos o amor

[…]

e ainda que em nossos túmulos
habitem novamente flores amarelas e medrosas
não cantaremos este amor
que resultou inútil
(“não cantaremos o amor”, p. 59.)

Assim, cantar o impossível canto é a única opção para o poeta, que, perplexo diante de seu tempo e das armadilhas da linguagem, mais uma vez prefere a palavra ao silêncio.